Economia Solidária: um modelo para o decrescimento no Sul?

Alan A. Boccato-Franco

A redução na escala de produção e de consumo que melhore o bem-estar humano e reforce as condições ecológicas: esta é uma das formas de se definir o Decrescimento. Originado na França no início dos anos 2000, adquirindo adeptos na Espanha, Itália, Alemanha e mais recentemente em diversos outros países, o Decrescimento agrupa aqueles realizam uma crítica radical à ideia ocidental de desenvolvimento. Defendem o abandono do crescimento econômico como centro da política econômica. Seu pressuposto básico é de que não há recursos naturais suficientes para sustentar uma sociedade em que o crescimento é condição essencial para gerar equilíbrio econômico. É impossível crescer infinitamente num planeta que têm recursos naturais limitados. Essa limitação natural diz respeito a toda a humanidade – presente e futura. Mas, vivemos em um mundo com grande desigualdade social. Frente essa desigualdade, à primeira vista, falar em Decrescimento pode parecer inadequado. Mas, o movimento pelo Decrescimento parece ter muitos elementos em comum com movimentos sociais presentes nos países do Sul. Quais seriam eles? Neste artigo, irei apontar algumas características do Decrescimento e alguns elementos em comum com a Economia Solidária brasileira, que me levam a concluir que existe um espaço para diálogos e convergências.

Quem são os decrescentistas? Os grupos que promovem o Decrescimento como um slogan de mudança social são predominantemente europeus e podem ser divididos em três tipos. Um desses grupos são ativistas que promovem campanhas para barrar a construção de grandes infraestruturas como, rodovias, aeroportos, trens de alta velocidade, etc. Outros grupos estão engajados na promoção de alternativas participativas locais, descentralizadas e de pequena escala como reciclagem, vegetarianismo, moradia coletiva, ecovilas, cooperativas de consumo, bancos alternativos ou cooperativas de créditos, etc. O terceiro é composto por grupos acadêmicos e não acadêmicos de pesquisas.

O que significa decrescimento? O termo Decrescimento é rico em significados. Existe uma pluralidade de fontes teóricas que constituem essa ideia. Uma delas é ecológica e enfatiza a competição existente entre os ecossistemas e os sistemas industriais de produção e de consumo, e que os limites da natureza impedirão que a economia produtivista e consumista seja acessível à toda a civilização. Neste sentido, os partidários do Decrescimento denunciam que a desigualdade no uso dos recursos naturais existente entre o países do Norte e do Sul, entre ricos e pobres e entre as gerações presentes e futuras não é uma mera falha do crescimento econômico, mas uma condição para sua existência. Os recursos naturais que os ricos podem obter hoje não estarão disponíveis no futuro para os pobres, devido aos limites ambientais. O que compõe o crescimento econômico é gerador de desigualdade ecológica. O crescimento suplementar das economias já desenvolvidas só agravará as desigualdades globais – em termos sociais e ecológicos. Por isso tudo, defendem que para se acabar com a desigualdade de acesso aos recursos naturais é de primeira necessidade reduzir o consumo dos ricos, e neste caso a redistribuição é uma questão central.

Outra fonte do Decrescimento provêm da crítica à ideia ocidental de desenvolvimento hegemônica que uniformiza as culturas devido a adoção pelo Sul dos modelos de produção e consumo dos países do Norte. A formulação geral do Decrescimento “consumir menos para viver melhor” não é uma banalidade, mas, ao contrário, é o coração do modo de vida mercantil-industrial que está sendo tocado. E mais, chama para uma revolução nas noções de sentido da vida e de bem viver. A essência da crítica decrescentista recai sobre o estilo de vida moderno baseado no mantra do “trabalhe mais!”, “ganhe mais!”, “venda mais!” e “compre mais!”. O ideário do Decrescimento faz assim uma crítica global à economia mercantil, à industrialização, à modernização e à mundialização. É nesse contexto que o significado do Decrescimento para os países do Sul é colocado como o rompimento da dependência econômica e cultural com relação ao Norte. Reencontrar e reapropriar-se de uma identidade cultural própria. Não se trata de propor uma noção de Decrescimento homogêneo para todo o mundo. Mas ao contrário, se libertar da fé no crescimento ilimitado para abrir espaço para ca riação de múltiplos modelos socioeconômicos.

Existe também uma raiz alimentada pela bioeconomia que refuta a crença nas novas tecnologias e nos aumentos de eficiência como salvação da crise socioambiental. O Decrescimento não nega o benefício que as inovações tecnológicas podem propiciar. Mas, questionam a capacidade dessas inovações em superar os limite biofísicos e em sustentar um crescimento econômico infinito. Ao assumir isso o Decrescimento fica exposto à acusação de que é malthusiano. De fato se fala de regulação da população. Mas, que seja igualitária e democrática em lugar de violenta e desumana mediante a doença e a fome como queria Malthus. Rejeita-se a limitação do número de filhos, e assume-se uma transição demográfica por meio da emancipação das mulheres, da alfabetização, da democracia. A questão da população é importante, mas não é a causa primeira dos problemas. Centralizar na população é reacionário e evita olhar para a questão da distribuição. Portanto, a critica do Decrescimento não se concentra no tamanho da população, mas sobre o consumo dos recursos naturais. Por exemplo, para os partidários do Decrescimento, não é a população humana que é muito numerosa, mas sim a quantidade de automóveis. A necessidade não é reduzir a população, mas de reduzir e distribuir o consumo de recursos naturais e de escolher o que produzir.

Mas quem decide? A essência do debate em torno da palavra Decrescimento reside em pensar e por em prática uma transformação escolhida, livre e equitativa para uma sociedade mais sóbria e solidária. A democracia é central sendo recorrente a defesa da soberania popular, da igualdade de condições e das decisões participativas. Ao mesmo tempo que defendem isso, os partidários do Decrescimento denunciam a ameaça que as instituições do crescimento econômico lançam sobre a democracia e duvidam se efetivamente vivemos numa democracia, questionam se a economia do crescimento “é a democracia” e se as instituições que viabilizam o crescimento econômico são realmente democráticas.

A partir do que já foi dito acima e analisando textos e debates sobre o decrescimento e sobre a economia solidária identifico alguns elementos comuns entre ambos movimentos, dos quais cito seis: 1) compromisso com a equidade e o bem estar social de todos e todas em que a redistribuição é uma condição fundamental; 2) defesa da necessidade de reformulação do sistema monetário-financeiro, com a proposição de diferentes tipos de políticas e instituições, como por exemplo, novas formas de moedas, um sistema financeiro controlado democraticamente e sem finalidade primeira de crescer e acumular; 3) relocalização da economia, onde se prioriza a produção local, a partir dos recursos naturais e financeiros locais, para atender as necessidades locais; 4) a submissão do lucro e da acumulação de capital às necessidades humanas reais; 5) a solidariedade como valor central no processo de produção e o controle social e coletivo sobre os empreendimentos econômicos; 6) a necessidade de se atribuir outros sentidos às instituições sociais e econômicas, como o mercado, a moeda, o sistema financeiro, à noção de necessidade e ao benefício comercial e financeiro, como por exemplo, conceber o mercado como meio e como espaço em que se estabelecem outras relações sociais para além da simples troca econômica, como o encontro de saberes, da partilha e da construção de laços sociais.
 
Para concluir, acredito que a economia solidária e o decrescimento expressam claramente que o entendimento do esgotamento do modelo socioeconômico ocidental está presente tanto nos países do Norte como nos do Sul. Diferentes movimentos sociais em diferentes contextos históricos, sociais e ambientais parecem expressar elementos em comum que abrem espaços para a construção de alianças na construção de alternativas à esse modelo de desenvolvimento que se pretende hegemônico. Mas, mais do que uma aliança, me parece que a Economia Solidária no Brasil é um dos movimentos que poderá dar legitimidade e sentido ao debate do Decrescimento para além do contexto europeu, trazendo-o para lhe atribuir sentido numa perspectiva desde o Sul. E assim assumirmos que a economia do crescimento ilimitado, consumista e individualista também não nos interessa.

Originalmente publicado em Jornal do 2o Fórum Social e 2a Feira Mundial de Economia Solidária. Santa Maria – RS. p. 42, 2013.
Postado em 25/07/2013

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