Eleições 2010: um projeto de país sustentável sem o debate das grandes fortunas?

Alan Boccato
Este ano é eleitoral e portanto ano de discutirmos projetos de futuro. Embora ainda estejamos no período de pré-candidaturas e de pré-debates, sinto que, principalmente Dilma e Serra, mas também Marina Silva que é a esperança de qualificar o debate, não colocarão em questão um ponto nevrálgico e caro para o Brasil que é a gritante acumulação de renda na elite econômica brasileira.

Mas como não colocar esse tema num debate de projeto de futuro socioambientalmente sustentável se:


  • No Brasil, somente 5 mil famílias apropriam-se de 45% de toda riqueza e renda nacional, embora o pais tenha mais de 51 milhões de famílias. Os 10% mais ricos absorvem 75% de toda riqueza contabilizada;

  • Somente quatro cidades respondem por quase 8 em cada 10 famílias ricas no Brasil;

  • No ano de 2006, as três maiores empresas transnacionais do mundo registraram faturamento superiores ao PIB brasileiro;

  • O consumo de bens de maior valor unitário em países de renda per capita baixa ou média, somente é possível na forma de uma brutal concentração de renda e riqueza;

  • No Brasil, se construiu uma sociedade assentada no padrão de produção e consumo voltado para dois quintos da população, ou seja, 40 milhões de pessoas que possuem contas bancárias e demais bens de alto valor unitário;

  • Para uma grande parcela da população resta como alternativa o desemprego ou a disputa de renda absorvida pelas famílias mais ricas. No pais 35,5% das famílias dependem do trabalho exercido para outras famílias para poder sobreviver, onde várias ocupações passaram a depender da própria concentração de renda;

  • O trabalhador que recebe mensalmente até dois salários mínimos mensais tem uma carga tributária de até 48% de seu rendimento (por força dos impostos indiretos). Já o trabalhador com remuneração superior a 30 salários mínimos mensais, deixa para os impostos 26% de sua renda;

  • Mesmo pagando menos impostos, os ricos se beneficiam continuamente dos superávits primários do setor público, gerados com o fim de sustentar oficialmente o amplo processo de financeirização da riqueza;

  • Os atuais detentores de riqueza são cada vez menos descendentes de atividades produtivas lícitas, pois os ricaços de hoje dificilmente teriam o mesmo sucesso na vida não fosse a corrosão do homem público em meio ao avanço do submundo privado e da especulação financeira com o dinheiro público;

  • Taxas de juros básicas estabelecem o nível de garantia mínimo de renda a cerca de 20 mil famílias que vivem da aplicação de suas riquezas no circuito da financeirização. Desde o final da década de 1990 que o Brasil vem transferindo anualmente algo em torno de 10% do PIB na forma de uma renda mínima aos ricos. Por outro lado, a cada ano, cerca de 0,5% do PIB nacional tem sido transferido a quase 10 milhões de famílias que vivem em condições de extrema pobreza;

  • Em valores reais acumulados no ano de 2004, a renda do trabalho perdeu o equivalente a R$ 1,152 trilhão, ao passo que os proprietários dos títulos da dívida pública apropriaram-se do total de R$ 841 bilhões na forma de recebimento de juros;

Não é de hoje que se destaca a relação direta entre riqueza e pobreza. Mais de 70 anos que já temos disponível a sistematização didática que Haberman elaborou na “História da Riqueza do Homem”. A própria Constituição Brasileira de 1988 trata das grandes fortunas em seu artigo 153 que passados 22 anos ainda não foi regulamentado. E mais recentemente setores organizados da população brasileira demostraram que esse tema está vivo, visto que o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, construído a partir de ampla participação popular em dezenas de conferências e instituído pelo Decreto 7.073/2009 traz como uma de suas ações programáticas a regulamentação da taxação do imposto sobre grandes fortunas previsto na Constituição.

Não se trata de crucificar os ricos e bilionários, fomentando uma caça as bruxas. A sociedade brasileira, incluindo a elite econômica, devem ter maturidade o suficiente para a curto prazo iniciar uma transição na perspectiva de que se sinceramente queremos um pais socialmente justo e equilibrado, efetivamente democrático, educado, bem alimentado, saudável e com muito menos violência urbana e rural não é possível não definirmos coletivamente limites e mecanismos de restrição para a acumulação de renda. Pois a equação é simples: acumula nas mãos de poucos, falta nas mãos de muitos. E somando-se a isso, não é nem econômica nem ambientalmente possível todas as 51 milhões de famílias brasileiras serem ricas, mi ou bilionárias.

Portanto, como proposta inicial de agenda de transição, além da taxação às grandes fortunas, o Brasil necessita incluir em seu projeto de futuro: uma tributação progressiva como forma de distribuição das riquezas geradas no pais; taxação progressiva nos lucros; revisão dos benefícios como a herança, ganhos especulativos e financeiros improdutivos; estancamento do derrame de renda do trabalho para a do capital; desestimular a formação de conglomerados econômicos e o domínio de setores por poucas empresas; a relocalização da economia, em que se produz e se consome localmente a partir de unidades produtivas menores; criação de mecanismos que promovam uma maior circulação econômica local, como a ampliação das moedas e bancos comunitários; o estímulo a empreendimentos coletivos; dentre muitas outras iniciativas e soluções criativas que os brasileiros possam inventar.

Mas quem terá coragem de colocar esse debate em questão, principalmente, visto que os financiamentos das campanhas vem dos ricos, mi e bilionários? Dificilmente o PT, já que nos últimos oito anos tem mostrado sua política desenvolvimentista favorecendo tanto o hiperconsumo, quanto as grandes obras o que possibilitou o aumento dos mi e bilionários brasileiros, além de ter demostrado suas relações fisiológicas com esses setores. Muito menos o PSDB que historicamente favoreceu a elite econômica brasileira, ou pior, internacional. Marina Silva poderia ser uma esperança, mas que se enfraquece com um possível bilionário em sua chapa. Temos o PSol e PSTU que certamente não nos deixarão ausentes desse debate tão fundamental, mas que provavelmente não conseguirão fugir de sua postura de ruptura e de sua linguagem inadequada que não consegue agregar a sociedade para esse enfrentamento. Ou seja, em 2010 o debate de projeto de futuro será pobre no debate sobre os ricos, mi e bilionários.

2 comentários:

  1. Interessante o texto para reflexão e ação (ou vai ser só fogo de palha?). Mas cadê a fonte dos dados postados?Daria maior credibilidade...

    O debate das grandes fortunas acontece o tempo todo, quando se fala em MST, em crédito e desenvolvimento econômico. Ou de forma disfarçada: desemprego, violência e pobreza. O que não se debate é a taxação na qual o autor se referiu, prevista na constituição. Isso não vai acontecer?É chamado também de utopia?

    "A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e no horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar." (Eduardo Galeano)


    Que tal entrar com um mandado de injunção no STF para a regulamentação do artigo 153 inciso VII? Utópico? Um plebiscito talvez?

    Na proposta do blog está de se criar espaço para articulação, como que o blog pretende fazer isso? Ou quando acabar o período eleitoral o blog acaba também?

    O interessante que eu acompanho o decrescimento há muito tempo, mas em épocas eleitorais o assunto ganha mais força e discussão, será por quê? Espero que não tenha nenhum político querendo fazer mobilizações para autopromoção, por isso vou me dar o luxo de não dizer meu nome, para depois não fazer papel de ridículo e apoiar um movimento partidarista, ao invés de cidadão.

    O que nos torna mais qualificados que o Guilherme Leal ele é uma das 1000 pessoas mais ricas do mundo, mas pelo menos ele participa da WWF, ESCAS, ABRINC. Eu que fico no domingo no sofá assistindo faustão esperando que o mundo se resolva.

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  2. Olá.
    Acabei chegando a este post pelo google, mas não pude deixar de expressar minhas opiniões que são diametralmente opostas, e em resumo são estas:
    - A desigualdade realmente incomoda, mas o caminho que julgo viável é a redução de - impostos (para os ricos, inclusive).
    - Para quem é rico, não é difícil criar estruturas legais nos exterior via pessoa jurídica e escapar de impostos sobre sucessão entre outros.
    - Impostos altos afugentam investimentos e atividade produtiva além de favorecer a informalidade.
    - O Brasil precisa atrair capital e investimentos para fomentar a concorrência, que é o que realmente ajuda a reduzir o preço e melhorar a qualidade dos produtos e serviços.
    - A sociedade deve aprender a demandar menos serviços do estado e a valorizar a educação.
    - O empreendedorismo deve ser incentivado e valorizado.

    Para começar está bom...





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