Leia abaixo a resenha do livro "Enfrentando os Limites do Crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade" elaborada por Paulo Renan Rodrigues França e publicada na Revista Brasileira de Ciências Sociais.
Revista Brasileira de Ciências Sociais
Rev. bras. Ci. Soc. vol.28 no.81 São Paulo Feb. 2013
Rediscutindo os limites do crescimento econômico
Paulo Renan Rodrigues de França
Philippe LÉNA & Elimar PINHEIRO DO NASCIMENTO (orgs.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro, Garamond, 2012. 444 páginas.
A
questão ambiental é hoje uma das principais problemáticas nos debates
sobre o futuro da humanidade. As discussões em torno dos limites
físicos do planeta não se restringem a um pequeno número de países e
de profissionais, sendo um campo vasto para análises, propostas de
ação e produção acadêmica.
A coletânea Enfrentando os limites do crescimento,
organizada pelo geógrafo e sociólogo francês, Philippe Léna em
parceria com o também sociólogo brasileiro Elimar Pinheiro do
Nascimento, é uma importante contribuição para o debate acadêmico
sobre sustentabilidade no Brasil; o livro conta com a participação de
22 autores, além dos dois organizadores, que em seus referentes
países, contribuem ativamente para o avanço das discussões em torno
dos limites do crescimento.
Desde
o artigo inicial de Philippe Léna, podemos ver a posição que vai
demarcar grande parte do livro: a crítica ao crescimento econômico, e
também ao desenvolvimento sustentável. Este termo, que para muitos é
apenas um oximoro, tornou-se hegemônico quando, em 1987, foi elaborado
o documento "Nosso futuro comum" (mais conhecido como Relatório
Brundtland), pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Phillipe Léna argumenta que "o pensamento
social-ecológico alcançou, ao mesmo tempo, o reconhecimento
internacional e um grau mais elevado ainda de banalização" (p. 27),
através do conceito de desenvolvimento sustentável (DS).
Tal
conceito passou a ser a nova moeda de troca, a meta a ser alcançada, o
discurso feito "por todas as agências internacionais, os governos e
até as empresas (inclusive as mais predatórias)" (p. 27). Entretanto,
também serviu para por em pauta os problemas dos limites do
crescimento e é defendido por muitos atores sociais, por ser "a única
forma de ganhar visibilidade, participar de negociações nacionais e
internacionais e conseguir financiar projetos" (p. 33).
Por
não fugir à lógica do crescimento e das políticas voltadas a este
paradigma, o desenvolvimento sustentável é bastante criticado por
ambientalistas, que além de sugerirem uma mudança radical no âmbito da
sustentabilidade, propõem uma mudança social profunda. Uma das
críticas ao DS, que vem ganhando relevância é o slogan político do decrescimento. Serge Latouche, em seu ensaio, deixa bem claro que o decrescimento (decroissance,
em francês) não é um conceito e também não significa o "oposto
simétrico do crescimento" (p. 48) Pode-se dizer que o decrescimento é
uma crítica à estrutura da sociedade ocidental, alimentada pelo
consumismo desenfreado, pelo gasto energético desmedido. Essa noção de
crescimento, segundo Latouche, causa pelo menos três efeitos
negativos: "ela produz um aumento das desigualdades e injustiças; ela
cria um bem-estar amplamente ilusório; ela não suscita, mesmo para os
que mais se beneficiam, uma sociedade amigável e sim uma antissociedade
que padece de sua riqueza" (p. 47).
Nicolas
Georgescu-Rogen é um dos precursores da ideia de decrescimento. Em
seus estudos, o "pai fundador da economia ecológica" (p. 65) criticou o
modelo de economia convencional, que excluía completamente a variável
ambiental das análises econômicas. No texto de André Cechin (pp.
349-367), ele mostra que Georgescu apontava para o erro de tratar os
fatores de produção como semelhantes, o que levaria a outro erro, o da
substituição infinita por supor que "o fluxo de recursos naturais pode
ser facilmente e indefinidamente substituído por capital" (p. 354).
Por
ser uma ideia em construção, o decrescimento ainda é visto com
desconfiança por alguns; para outros é visto como um ponto de partida
para sairmos de uma sociedade apoiada na acumulação de bens materiais
em detrimento dos bens naturais, da justiça social, dos laços sociais
etc. Para Mauro Bonaiuti (pp. 79-105), estamos a caminho da grande
transição, uma mudança profunda nas relações do ser humano com seu
próximo e do ser humano com o meio ambiente. Contudo, para tal é
preciso que se reconheça que o modo de vida capitalista não é
compatível com os limites de físicos do planeta e é nocivo para as
relações sociais. Não são poucas as pessoas que têm esta tese bem
fixada em suas mentes; em contrapartida, como o autor reconhece, a
classe dominante não pretende mudar tão facilmente de ideia, e tenta a
todo custo nos vender uma sociedade alienada. E, com ela, a ideia de
que as constantes crises do sistema são apenas normais e passageiras.
O
livro também enfatiza as questões relativas ao PIB (Produto Interno
Bruto), principal indicador de prosperidade e desenvolvimento das
nações. José Eli da Veiga e Liz-Rejane Issberner demonstram que este
indicador é incompatível para analisar o desenvolvimento de um país.
Para ilustrar esta ideia, usam o exemplo da economia brasileira, que
de 1980 até o presente não teve um crescimento econômico tão grande
como o seu desenvolvimento em outras áreas, particularmente a social.
Os
autores reforçam a ideia de que crescimento econômico é diferente de
desenvolvimento. É necessário encontrar outros indicadores de
prosperidade, que ultrapassem o PIB. Indicadores que não levem somente
em consideração o aumento da renda per capita, mas que
busquem compreender os reais ganhos de qualidade de vida, bem-estar e a
preservação dos ecossistemas, garantindo a existência dos recursos não
renováveis que, na maioria das vezes, são a matéria-prima mais
utilizada na produção.
O
artigo de Gilbert Rist demonstra que de tempos em tempos as teorias
do desenvolvimento são sobrepostas por outras. Antes, a preocupação
das sociedades capitalistas ocidentais era que seu padrão de
desenvolvimento deveria ser levado para outros países, , mas esta
ideia já não é consensual:
Novas teorias mostravam que nos tornáramos "ricos" por termos explorado os "pobres", dependentes de um sistema injusto, que era preciso modificar para restaurar um equilíbrio pervertido: ao nos desenvolver, não teríamos contribuído a criar o subdesenvolvimento e enfraquecer as chances desses países seguirem o caminho que tínhamos traçado? Falava-se, então, em quebrar as correntes da dependência, recuperar a autonomia nacional e reapropriar-se do seu destino (p. 135).
Assim,
como o desenvolvimento não foi a solução para os diversos problemas
do mundo, será possível que o decrescimento virá a ser uma nova
panaceia ou apenas mais um paliativo? O autor responde: "convém
decrescer, limitar nossos apetites, parar de achar que 'mais =
melhor'. É preciso incentivar tudo aquilo que contribui para limitar a
obsessão pelo crescimento". Entretanto, segundo Rist, é preciso que os objecteurs de croissance
critiquem não somente o modo como consumimos, mas também a própria
teoria econômica dominante. E prossegue afirmando que o decrescimento é
uma necessidade nos países tanto do Norte como do Sul, porém para que
os reais efeitos deste movimento sejam sentidos, ele não pode "se
contentar em trapacear o 'sistema'. Pelo contrário, ele deve contestar
seu fundamento" (p. 146), para que não seja mais um paliativo no meio
de outros tantos.
O
artigo de Rist ecoa páginas depois no texto de Miguel Benasayag e
Angélique del Rey, que aborda a questão de como conciliar nos países do
Sul justiça social e decrescimento. Sugere-se que os países mais
pobres devam seguir o exemplo dos mais ricos, mas como desacelerar a
economia em países que precisam do desenvolvimento para garantir uma
economia mais estável e, portanto, assegurar a justiça social? "Daí
advém a contradição entre as duas justiças, social e ecológica, e a
consequente dificuldade de se chegar a um acordo entre pessoas
envolvidas com ecologia, no Norte e no Sul" (p. 290).
Com
efeito, o livro traz diversos pontos de vista sobre a questão
ecológica, endossa as críticas ao modelo capitalista (em especial
Michel Lowy, que, como alternativa, aponta o ecossocialismo), levanta
questões importantes sobre a justiça social e ambiental, faz críticas
contundentes ao desenvolvimento sustentável e promove a teoria do
decrescimento. Isso não significa que não haja indagação sobre a
viabilidade de tal teoria na sociedade contemporânea, como discutido no
artigo de Onofrio Romano e Vincenzo Lauriola (pp. 391-413).
Já
Elimar Nascimento, em ensaio que encerra a coletânea, afirma que as
questões em torno da sustentabilidade deixaram de ser meros conceitos,
uma noção ou valor, para se tornar "uma arena de disputa com objetos,
agentes e regras próprias" (p. 416). Tendo isso em mente, o autor
aplica o conceito de campo – um dos pilares da obra de Pierre Bourdieu
– à sustentabilidade, estabelecendo os critérios que este novo campo
possui e quais as exigências para nele ingressar. Trata-se, em
primeiro lugar, de um campo interdisciplinar e multidimensional,
envolvendo questões não só ambientais, mas também sociais, políticas e
econômicas. Em contrapartida, diante da ameaça que espreita a
humanidade, as diferentes vozes deste debate convergem no sentido de
propor e analisar possibilidades de superação. É isso que
caracterizaria a porta de entrada para o campo da sustentabilidade.
Os
autores desta coletânea, não obstante ideias e perspectivas diversas,
compartilham, pois, da preocupação com os limites do crescimento e da
certeza de que algo precisa ser feito para a preservação da espécie
humana; o planeta, ao contrário do que acreditamos, pode permanecer
muito bem sem nós.
Paulo Renan Rodrigues De França é mestrando em desenvolvimento sustentável na Universidade de Brasília e bacharel em turismo pela Universidade do Estado do Amazonas, E-mail: p_renan10@hotmail.com.
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