Ao Povo na Rua, Dinheiro?



Alan Boccato-Franco

A resposta do Governo Federal às mobilizações que tomaram as ruas do Brasil demonstra que os problemas enfrentados pela população são vistos exclusivamente como uma questão de gestão, especificamente orçamentária. Quatro dos cinco pactos propostos pela presidenta Dilma se resumem a um único elemento: dinheiro. A começar pelo pacto da responsabilidade fiscal e controle da inflação que submete à burocracia e normatizações econômicas os demais pactos, saúde, educação e mobilidade, que tratam, nada mais nada menos de direitos. Isso é prova cabal de que o Governo Federal reduz a complexidade da realidade social ao campo econômico.
Muito além de uma questão de gestão (e de dinheiro), os inúmeros descontentamentos expressos nas ruas demonstram que o modelo de sociedade produtivista industrial chegou ao seu limite. Esse modelo em que a lógica econômica domina todas as decisões e que necessita de um crescimento ininterrupto calcado na produção e no consumo se mostra incapaz de beneficiar todas as pessoas. Mais que isso, tem a exclusão social e a degradação ambiental como sua parte constituinte e indissociável.

O Governo Federal não aceita essa tese e aposta na alocação de dinheiro como medida para apaziguar os ânimos das ruas. Vejamos.

Pacto: 50 bilhões para mobilidade
Mobilidade urbana não se resolve com dinheiro apenas. O principal problema da mobilidade é que as pessoas moram longe dos locais onde elas trabalham, o que demanda extensos deslocamentos diários. E porque as pessoas moram longe? Isso é resultado de um processo de organização do espaço urbano a partir da lógica da valorização econômica (predominantemente especulativa), e não por critérios de acessibilidade das pessoas ao trabalho, lazer e serviços públicos essenciais. O resultado disso é, sobretudo, a exclusão de uma parte significativa da população que é removida/destinada a morar nas periferias das cidades e de outra parte que mora onde consegue pagar um aluguel ou financiar um imóvel. Assim, grandes massas de pessoas necessitam se deslocar 20, 30, 40 quilômetros diariamente para poder ter acesso, pelo menos, a um emprego.
Despejar 50 bilhões de reais em obras e aquisição de meios de transporte, mesmo que sejam ônibus, VLTs, metrôs, etc, não resolverá o problema básico da mobilidade que é a distancia a ser percorrida diariamente pelas pessoas. Com as grandes distâncias a necessidade de mobilidade transforma-se em necessidades industriais que são os veículos motorizados dependente de crescentes e vultuosos investimentos, gigantescas infraestruturas, complexas logísticas e burocracias, além de alto consumo de matéria e energia.
Mobilidade é mais do que de industrializar o direito ao transporte.É antes uma questão de ocupação do espaço urbano e do direito das pessoas à cidade. A ampliação de ruas, viadutos e avenidas, linhas e estações de Metro e demais obras sem a necessária democratização da ocupação urbana, além de não solucionar o problema básico da mobilidade, irá agravar ainda mais a disputa por espaço, levando a mais remoções de populações que provavelmente ficarão ainda mais distantes de seus empregos gerando ainda mais demanda de mobilidade.

Pacto: Petróleo para a educação
Na pauta da educação não é diferente. A proposta do Governo Federal é baseada no uso do dinheiro do petróleo (royalties e pré-sal). O problema da educação no Brasil é que ela é excludente e tratada como um produto de mercado e organizada em torno do monopólio da escola. Esta por sua vez tem como função principal formar mão de obra para inserir a pessoa numa sociedade de consumidores disciplinados pela tecnocracia. O monopólio da escola é então especializado em formar pessoas para servir ao sistema econômico, no qual irão trabalhar para produzir e consumir coisas, cujo objetivo último é o de fazer a economia crescer. A escola é o espaço formal que prepara as pessoas a aceitarem e aprenderem o jogo competitivo e quantitativo da sociedade produtivista industrial.
É claro que é melhor uma educação tecnicista do que o analfabetismo funcional e ausência absoluta da escola. Mas propor unicamente o uso do dinheiro do petróleo como resposta ao clamor da sociedade por educação é aprofundar o erro em confundir possibilidades educativas iguais com escolaridade obrigatória monopolizada pela escola. Assim a educação será sempre dependente ou do Estado ou de empresas privadas, retirando a autonomia das coletividades de formular meios diferenciados de organização para a instrução, como por exemplo as associações. Um processo mais eficiente de promover a educação para todos é repensar o papel e o objetivo da educação e enfrentar o monopólio da escola e de sua hierarquia de diplomas, de modo a avançarmos em direção de um país onde a vida cotidiana e a coletividade tenham virtudes educativas.

Pacto: dinheiro é saúde
Ao clamor por saúde o Governo Federal apresenta uma resposta unicamente quantitativa baseada na importação e contratação de médicos, dinheiro para infraestrutura e perdão de dívidas. Assim, não atende uma questão básica que são os fatores que levam à necessidade de acesso ao sistema de saúde. As principais doenças que sobrecarregam o sistema público (e também privado) de saúde são na sua maioria originadas no próprio sistema produtivista industrial. Alimentação industrializada, excessivamente calórica, precariamente nutritiva e envenenada com agrotóxicos, cotidiano estressante, desigualdade social geradora de violência são os principais fatores geradores da maioria dos casos de procura médica. A abordagem portanto, não é uma questão que se limita a gestão de recursos humanos e orçamentários. Mas, de questões que estão no cerne da estrutura de organização socioeconômica. Tratar a saúde focada na doença é aprofundar um modelo de medicina calcada na ultratecnologia, seus protocolos normativos, fórmulas químicas e alta especialidade que a tornam cada vez mais cara, elitista e desigual.

As propostas para a educação, saúde e mobilidade urbana apresentadas pelo Governo Federal se mantém ligada ao mesmo conjunto de receitas administrativas e de gestão que conduziram esses direitos à crise. Receituário este elaborado sob a lógica produtivista industrial que vê a sociedade como um grande negócio e que submete todas as dimensões sociais e biofísicas aos critérios econômicos. Não há assim nenhuma evolução dos critérios políticos e filosóficos que poderão promover as mudanças estruturais necessárias para responder à efervescência das ruas.

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